quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Décimo Sétimo Andar

São Paulo, Avenida Faria Lima. Um edifício de escritórios.

Décimo sétimo andar. Salas fechadas com chefes, sub-chefes, gerentes, sub-gerentes jogando paciência e abrindo emails, rodeiam vários cubículos onde os que tentam jogar paciência e ler emails são
repreendidos pelos sanguessugas que sobem na empresa às custas do trabalhos dos cubiculares.

Miremos um cubículo em especial. Algo desarrumado, uma cadeira já com um braço bambo, várias lapiseiras sobre a mesa (nenhuma com grafite), algumas canetas espalhadas (duas no chão), uma foto de um rapaz com sua esposa, talvez? Ah, e uma bandeira do Atlético Paranaense.

Atlético Paranaense?! É, qual o problema de um paranaense radicado em São Paulo? Nenhum, só é estranho, pensa o leitor, com os seus botões (seriam teclas hoje em dia?).

Do corredor vem um esbelto rapaz, passos fáceis, camisa um tanto amarrotada, cabelos mais longos que a média, encaracolados, tez morena, nariz aquilino com as bochechas um tanto quanto salientes.
Senta na cadeira do cubículo previamente por nós observado.

Desdenhosamente folheia um relatório de longas noventa páginas. Onze horas ainda! - pensa o rapaz. - E eu não comi nada pela manhã, muito inteligente de minha parte.

De súbito, pelo canto do olho, vê um de seus seis chefes/superiores andando em volta dos cubículos. O pânico se apossa de seu corpo. Começa a rabiscar furiosamente o relatório, como se entendesse algo daquilo.

Com o fingimento a todo vapor, passa às suas costas um inchado homem, olhos puxados, terno de segunda linha (impecável, todavia), barba hirsuta, óculos grossos que lhe davam um certo ar venerável.

André (nosso querido torcedor do Furacão) respirou aliviado após a passagem do Suzucão, como este chefe era 'carinhosamente' chamado pelo pessoal do setor de aquisições (tinha bochechas buldoguísticas por assim dizer).

Não tão rápido. Alguns metros depois do cubículo de André, nosso saudoso Suzucão deu meia-volta como que percebendo a repentina mudança de postura de seu subordinado.

- Eu não acredito. Cacete! - resmungou entre dentes ao perceber o retorno da rotunda figura.

- Olá, Sr. Garcia. Como vai aquele DLS que o senhor deveria ter entregue ontem? - indagou o canino chefe, com um desprezo palpável ao pronunciar 'ontem'.

- Olha só, sr. Suzuki, veja bem... eu estava atolado naqueles ofícios que o senhor havia repassado... hã... daí estou meio atrasado e... - André visivelmente estava atrapalhado. Falando a verdade mas de uma maneira não exatamente convincente.

Todos sabemos que é melhor ser convincente que honesto, especialmente num ambiente de trabalho.

- Vamos até a minha sala. - disse imperativamente o Sr. Suzuki.

Alguns olhares curiosos dos cubiculares para aquele estranho casal, Stan Laurel e Al Hardy do 17º andar. Um obeso, desengonçado, com as famosas 'pizzas' sob os braços, seguido de perto por um magrelo de cabelos revoltos e andar de sambista da Lapa.


****


Senta André numa cadeira preta, em frente à mesa de Suzuki. Este último fecha a porta atrás e senta-se na poltrona, de frente pra André.

Entrelaça os dedos e fica com a mão em forma de cunha segurando o queixo (ou seriam queixos?).

Começa.

- O desempenho do senhor neste trimestre está I-NAD-MIS-SÍ-VEL - parecia saborear com um prazer sádico tais palavras. - Sempre chegando atrasado, eu e o Marques já notamos também o tempo que passa ali na salinha do café e também o tempo que fica fingindo que trabalha. Se continuar assim...

- Éééé´... sabe como é né sr. Suzucão... digo, Suzuki. Ando tendo problemas em casa...- emendou com uma risadinha nervosa - ... meu filho anda doente...

- NÃO INTERESSA! - interrompeu o volumoso. - E NÃO olhe para mim com essa cara de indignação, você deveria estar agradecido pela minha paciência. Muitos outros já estariam na rua! Estou sendo demasiadamente paciente. Agora suma daqui e vá fazer seus afazeres. Aquele DLS até o fim do expediente na minha mesa ou nem precisa voltar segunda feira.

André levanta.

****

André ao levantar, visualiza o abridor de cartas, reluzindo convidativamente. Com um golpe certeiro na jugular, cala para sempre o buldogue humano. Abre a porta. Fecha a porta.

Senta em sua mesa, abre o site do globoesporte. Meio dia vai embora para nunca mais ser visto.



****


André levanta. Respira fundo, buscando canalizar o ódio.

- Olha aqui, meu querido Suzucão... não vem com ameacinha não ou vou ligar na tua casa e falar pra tua mulher que tu anda pegando o Tato da manutenção, pensa que eu não sei?

- O senhor não pode falar neste tom comi... - interrompido bruscamente por um tapa no rosto, a redonda figura, abaladíssima com a situação, cala-se.

- Se eu for demitido, você pode começar a atravessar a rua olhando BEM para os dois lados, ok? Assim, só uma dica. Sempre cheque também os seus freios, dica de AMIGO. Antes que eu esqueça, sei que o senhor pegou aquele meu parecer mês passado e falou que era seu, não acredito que tenha sido a coisa mais justa. Acho que seria uma boa um aumentozinho antes que eu ligue pro Dr. Tadeu e conte toda essa palhaçada.

- Veja bem, podemos nos acert... - EI! Dá pra parar de bater? - em voz juvenil, reclamou o redondinho.

- Mas eu não falei que era pra fechar o bico? Cara surdo, meu. Então você cuida dessas coisas pra mim, né? Valeu irmão. Xá' só eu tomar um cafezinho aqui que já vou lá pro meu paciência spider.

Põe o copo na mesa, abre BEM a garrafa térmica e começa a despejar o conteúdo. 10% por cento no copo. Uma comparação apropriada ao que se tornou mesa seria aqueles vazamentos de óleo no Pacífico.
- Puuuutz, Suzukão! Desculpe hein! Eu limpo, xá' comigo. - Arranca metade da folhagem de um bonsai próximo e esfrega nem um pouco cuidadosamente na mesa.

- MEU BONSAI!!!

- Ah, você gostava disso aqui? Sabia não... segure aí. - falou despreocupadamente o rapaz, jogando a folhagem lambuzada de café no peito de Suzucão.

Sai, pisando macio.

Abre a porta. Fecha a porta.

Triunfante.

****

André levanta, cabisbaixo, pensando em todas as coisas que queria ter feito àquele gordinho folgado.

Abre a porta. Fecha a porta.

Ruma a seu cubículo, resignado.

- Se eu não precisasse desse emprego...

2 comentários:

Lucas disse...

haha, bom texto. Tá inspirando hein, escrevendo posts todo dia!

Anônimo disse...

Pare de utilizar elementos da MINHA vida nos seus textos.

O mãe...olha o Borelli.