sexta-feira, 7 de março de 2008

Uma Outra Viagem de Ônibus

Lembrando que é pra ler o post de baixo antes desse

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Outra viagem, mais uma vez vou ficar nervosa. Sempre sento ao lado de tarados e pior, velhos tarados. Parece que atraio, ímã de tarados viajantes.

Vamos ver, vamos ver... 38, 38, cadê você. Ah não, esse daí tem aquela carinha de ser dos que ficam babando no decote.

Senta-se. Nota a empolgação do senhor ao seu lado quando ela relutantemente senta.

- Juro por Deus que a primeira gracinha deste tiozinho eu mudo de lugar, não agüento mais essas viagens com esses babões. - raciocinou ela.

Como se tivesse ouvido o pensamento da garota, o velho, malandramente levantou a barrinha que faz a divisa entre as poltronas.

Foi a gota d'água. De um súbito levantou-se, pegou a bolsa e começou a andar pelo corredor.

Agitada, procurava avidamente algum lugar vago. De repente notou uma poltrona livre, era no corredor. Antes de sentar, olhou para o ocupante da poltrona da janela, seria inútil ter trocado de lugar para sentar com outro tarado.

Talvez a viagem não fosse ser tão ruim assim, pensou a garota. Bonitinho, cabelo meio ensebado mas ela gosta de cabelos grandes, melhor não reclamar muito, comparado com o tiozinho... Ah, eu conheço ele, ele deve fazer administração ou economia, vi ele com os meninos da FEA.

Putz, lembrei. A vaca da Andréa andava com eles sempre, sempre se jogando nele, tomara que eles não tenham ficado, nojo.

Sentou, percebendo que o rapaz meio que se empertigava... é, talvez não tenha sido má idéia o decote, pensou, congratulando-se.

- Meu, tá chovendo de novo. São Paulo vai encher que nem quinta feira, ô cidadezinha, viu? - falou o rapaz.

Ai, que que eu respondo? Não achei que ele já fosse puxar conversa assim, tão cedo.

De modo automático, assentiu com a cabeça, sentindo-se uma débil mental. É sempre assim, toda vez que eu quero ser simpática pareço uma robô. Eu me odeio, profundamente.

- Tá frio, né? Quer que desligue o ar-condicionado?

Ai, Deus. Bonitinho ele puxar conversa mas bem que podia ser com um outro assunto, né? Sei lá o que falar. E novamente, como por um impulso fortíssimo, deixou os gestos falarem por ela.

Putz, ele deve achar que sou muda ou que tenho problema mental. Vou fingir que estou dormindo, um pouquinho, só pra depois eu puxar uma conversa.

Fica imóvel por alguns minutos, pensando já na conversa futura. Um súbito estrondo a faz pular. Sai do seu suposto estado de sono e vira-se, encarando o autor do barulho.

Ele derrubou o celular de propósito, certeeeza. Que bonitinho! E que malandrinho também, insistente.

- Acordei você? Perdão. - Não posso dizer que ele não tem iniciativa. Papinho fraco, mas ele é tão bonito!

- Imagine, eu não tava conseguindo dormir. Você também não consegue dormir em ônibus? - Pronto, uma CONVERSA entre pessoas normais.

- Olha, antigamente eu dormia com muita facilidade só que de uns tempos pra cá, inexplicavelmente, não consigo. Estranho, né? - que conversinha besta essa minha, pensou ele.

- Arrã. - Eu e meus monossílabos, acho que me odeio mais agora.

Vou ter que virar o jogo então, me sinto obrigada. Lá vai:

- Já te vi lá na faculdade, sabia?

- É mesmo? Mas que mal-educada, hein? Nem deu oi. E o que você faz?

Um engraçadinho, então. Gosto de engraçadinhos. Vou falar que faço enfermagem dum jeito bem sexy, homens adoram enfermeiras.

- Enfermagem. Você?

- Economia. Ah, você conhece a Andréa do 3º ano?

Economia, sabia! E conheço sim, essa nojenta, tomara DEUS vocês não tenham ficado.

- Conheço sim - usou a sua voz mais fria. Ele percebeu, tá na cara.

Espertamente, o rapaz se apresenta. E procede a uma conversa simpática, engraçada. Gostei dele pensa a garota. Fala mais que a boca, claro, mas é simpático, educado, e bela boca ele tem, gostei.

- Não, mas aí teve uma vez...

É, tá na hora dele parar com a conversinha mole já.

Ele não parou. A oportunidade escorreu por entre os dedos e ambos foram dormir.

Ela, frustradíssima. Nunca mais deixo esses homens falarem tanto, diabos.

****

Desce do ônibus, vai rapidinho pegar as malas, pra evitar o constrangimento de falar com ele. Pega as malas, pronta para ir embora.

Dá um último olhar pra trás, vê a cara dele de triste.

- Quer saber?! - anda decididamente até ele, dá um leve toque no ombro e o beija, palavras não são necessárias.

- Mas... mas....

- Shhhh. Você falou de menos quando precisava falar, agora continua errando no timing. - Mexe na bolsa, procurando uma caneta pra anotar o telefone na mão dele, acha o batom sem querer.

- Huuum, aposto que ele vai se adorar se eu escrever com o batom, como sou boba, né.

Claro, escreve com o batom.

Dá um beijo de despedida e vai.

Uma Viagem de Ônibus

Finalmente! Finalmente acontecera.

Três anos e meio depois, depois de 40 ou 50 viagens de horas e horas, ele sentara-se ao lado de uma mulher bonita, bonita não, linda, num ônibus.
Nesta altura ele já estava resignado a agüentar velhos malcheirosos, velhinhas algo babonas e gordinhos que não cabendo na própria poltrona usavam a poltrona vizinha como assento.
Depois de tão longo tempo de frustrações ele nem esperava mais nada. Quando aquela magnífica loura passou por ele no corredor, ele se contentou apenas em admirá-la, nem cogitou a possibilidade dela sentar ao seu lado. Seria bom demais para ser verdade.
Estava sentado quando a viu passar. Depois do motorista dar as instruções de praxe, sentiu-se feliz por não haver ninguém ao seu lado no banco. Uma viagem espaçosa, pensou.
Qual não foi sua surpresa quando a garota que havia atiçado a imaginação dos passageiros do sexo masculino passou por ele novamente, foi até a frente do ônibus, pegou um copo d'água e ao voltar, sentou-se ao seu lado.
Devia estar no banheiro, conjecturou.

Porém a questão do momento era: o que fazer. Depois de tantas expectativas o momento havia chegado. Desafortunadamente não tinha nada preparado para a ocasião. Teria que improvisar.
Não era um mestre da arte da corte mas também não era um novato, tinha suas armas.

Antes de iniciar o approach observou bem a moça. Loura, olhos castanhos, nariz um tanto arrebitado, lábios à la Jolie. Usava uma blusa branca decotada que valorizava suas posses. Não haviam muitas reclamações a serem feitas de tão bela moça.

- Meu, tá chovendo de novo. São Paulo vai encher que nem quinta feira, ô cidadezinha, viu? - foi a escolha dele para o começo de conversa.

Ela assentiu com a cabeça.

Sabia que era um péssimo início, pensou. Ela é tão bonita que tá atrapalhando minhas idéias, droga.

Talvez uma nova tentativa? Vou dar um tempo antes, ler um pouco, quem sabe até ELA não puxa conversa? Mexe na mochila, tira o Saramago e a Caros Amigos. Folheia um pouco a revista, lê alguns artigos, a fecha e lê um pouco do livro.

É, aparentemente não vai ser iniciada por ela a conversa.

Mas que gelo esse ônibus, acho que vou desligar o ar-condicionado.

- Tá frio, né? Quer que desligue o ar-condicionado?

Ela fez que não precisava com a cabeça e reforçou com a mão, apontando o edredom que estava aos pés dela.

Ok. Ela é muda, definitivamente. Só pode ser. Deus é um brincalhão mesmo, sarcasticozinho sacana. Nunca acontece comigo e quando acontece, a menina é muda!

Bom, talvez seja exagero de minha parte. Talvez devesse tentar uma abordagem mais direta, não há nada de errado com isso... perguntar o nome, o que faz. Uma conversa normal.

Ele respira fundo, decidido. Vira para a companheira de viagem, pronto para iniciar a conversa.

- Ela tá dormindo! AGORA que eu tinha tomado coragem, sem comentários. - murmurou nervoso. - Ah, isso não fica assim. Agora que comecei, vou até o fim.

Maquinava várias maneiras de acordar a garota sem parecer um louco ou pior, um desesperado.

Ficou entre duas possibilidades, um esbarrão semi-casual ou a queda completamente involuntária do celular.

Optou pelo celular. Cuidadosamente, esticou o braço e sem dó, abriu a mão onde estava o celular. Ruidosamente ele caiu e quicou. Uma pequena inquietação nas poltronas adjacentes.

A vizinha de banco se mexe, abre os olhos.

- Acordei você? Perdão.

- Imagine, eu não tava conseguindo dormir. Você também não consegue dormir em ônibus?

Ótimo, ela fala. E puxou conversa ainda por cima, beleza.

- Olha, antigamente eu dormia com muita facilidade só que de uns tempos pra cá, inexplicavelmente, não consigo. Estranho, né? - que conversinha besta essa minha, pensou ele.

- Arrã.

Silêncio constrangedor.

- Já te vi lá na faculdade, sabia? - disse a moça.

Nossa, ela já me viu lá. Como eu nunca vi essa loira é que eu não entendo.

- É mesmo? Mas que mal-educada, hein? Nem deu oi - falou, rindo. - E o que você faz?

- Enfermagem. Você?

Enfermeira? Mas é bom demais pra ser verdade.

- Economia. Ah, você conhece a Andréa do 3º ano?

- Conheço sim. - falou a moça numa voz gélida.

Melhor mudar de assunto, parece que esse não agradou.

- Ah, Tiago. Prazer.

- Patrícia. Todos me chamam de Pati.

Segue-se a típica conversa. Quantos anos, de onde é, etc e tal. Uma mínima química se segue. Invariavelmente, o assunto vai esmorecendo e o momento do silêncio em que a melhor continuação seria um beijo... claro, sendo ele quem é, não acontece.

Pode-se dizer que houve uma 'ligeira' (sendo generoso) indecisão de ambas as partes e um belo momento ficou extremamente constrangedor.

- Ahn, então beleza, né. Acho que vou tentar dormir um pouco, tenho que ir pra aula logo pela manhã.

- Ok, vou dormir também.

Covarde. Arregão. Medroso. Isso que eu sou. A chance que eu espero há anos e não fiz nada, nunca mais reclamo que nunca senta ninguém bonito ao meu lado. O karma provavelmente será sentar do lado de gordos velhos que puxam conversa ininterruptamente e reclamam se você acende a luzinha para ler. Maravilha.

Quer saber? Dane-se. Vou dormir que ganho mais.

Frustrado, encosta na janela imaginando o que poderia ter sido...

****

Desce do ônibus, entra na fila para pegar a mala. Observa conformado Patricia pegar as suas e ir embora.

Me sinto o cachorro correndo atrás da lebre, destinado a nunca agarrá-la.

Assusta-se com um leve toque no ombro. Era ela... mas o que poderia querer...?!

Os outros passageiros vêem com curiosidade a garota beijando o surpreso (e extasiado rapaz).

- Mas... mas....

- Shhhh. Você falou de menos quando precisava falar, agora continua errando no timing. - Dá-lhe mais um beijo, agora mais ao estilo carinhoso. Escreve o telefone com batom no punho do rapaz.

Despede-se.

Isso aconteceu mesmo??? Belisca-se várias vezes, imaginando o que falar quando chegasse à faculdade.

A parte do batom era chave. A de quem tomou a iniciativa, nem tanto.

Pegou a bagagem, tomou um o rumo de casa. Com um sorriso irrepreensível no rosto.

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Uma outra viagem de ônibus ou Uma Viagem de Ônibus, versão do diretor, em breve, neste bat-canal.