sexta-feira, 7 de março de 2008

Uma Viagem de Ônibus

Finalmente! Finalmente acontecera.

Três anos e meio depois, depois de 40 ou 50 viagens de horas e horas, ele sentara-se ao lado de uma mulher bonita, bonita não, linda, num ônibus.
Nesta altura ele já estava resignado a agüentar velhos malcheirosos, velhinhas algo babonas e gordinhos que não cabendo na própria poltrona usavam a poltrona vizinha como assento.
Depois de tão longo tempo de frustrações ele nem esperava mais nada. Quando aquela magnífica loura passou por ele no corredor, ele se contentou apenas em admirá-la, nem cogitou a possibilidade dela sentar ao seu lado. Seria bom demais para ser verdade.
Estava sentado quando a viu passar. Depois do motorista dar as instruções de praxe, sentiu-se feliz por não haver ninguém ao seu lado no banco. Uma viagem espaçosa, pensou.
Qual não foi sua surpresa quando a garota que havia atiçado a imaginação dos passageiros do sexo masculino passou por ele novamente, foi até a frente do ônibus, pegou um copo d'água e ao voltar, sentou-se ao seu lado.
Devia estar no banheiro, conjecturou.

Porém a questão do momento era: o que fazer. Depois de tantas expectativas o momento havia chegado. Desafortunadamente não tinha nada preparado para a ocasião. Teria que improvisar.
Não era um mestre da arte da corte mas também não era um novato, tinha suas armas.

Antes de iniciar o approach observou bem a moça. Loura, olhos castanhos, nariz um tanto arrebitado, lábios à la Jolie. Usava uma blusa branca decotada que valorizava suas posses. Não haviam muitas reclamações a serem feitas de tão bela moça.

- Meu, tá chovendo de novo. São Paulo vai encher que nem quinta feira, ô cidadezinha, viu? - foi a escolha dele para o começo de conversa.

Ela assentiu com a cabeça.

Sabia que era um péssimo início, pensou. Ela é tão bonita que tá atrapalhando minhas idéias, droga.

Talvez uma nova tentativa? Vou dar um tempo antes, ler um pouco, quem sabe até ELA não puxa conversa? Mexe na mochila, tira o Saramago e a Caros Amigos. Folheia um pouco a revista, lê alguns artigos, a fecha e lê um pouco do livro.

É, aparentemente não vai ser iniciada por ela a conversa.

Mas que gelo esse ônibus, acho que vou desligar o ar-condicionado.

- Tá frio, né? Quer que desligue o ar-condicionado?

Ela fez que não precisava com a cabeça e reforçou com a mão, apontando o edredom que estava aos pés dela.

Ok. Ela é muda, definitivamente. Só pode ser. Deus é um brincalhão mesmo, sarcasticozinho sacana. Nunca acontece comigo e quando acontece, a menina é muda!

Bom, talvez seja exagero de minha parte. Talvez devesse tentar uma abordagem mais direta, não há nada de errado com isso... perguntar o nome, o que faz. Uma conversa normal.

Ele respira fundo, decidido. Vira para a companheira de viagem, pronto para iniciar a conversa.

- Ela tá dormindo! AGORA que eu tinha tomado coragem, sem comentários. - murmurou nervoso. - Ah, isso não fica assim. Agora que comecei, vou até o fim.

Maquinava várias maneiras de acordar a garota sem parecer um louco ou pior, um desesperado.

Ficou entre duas possibilidades, um esbarrão semi-casual ou a queda completamente involuntária do celular.

Optou pelo celular. Cuidadosamente, esticou o braço e sem dó, abriu a mão onde estava o celular. Ruidosamente ele caiu e quicou. Uma pequena inquietação nas poltronas adjacentes.

A vizinha de banco se mexe, abre os olhos.

- Acordei você? Perdão.

- Imagine, eu não tava conseguindo dormir. Você também não consegue dormir em ônibus?

Ótimo, ela fala. E puxou conversa ainda por cima, beleza.

- Olha, antigamente eu dormia com muita facilidade só que de uns tempos pra cá, inexplicavelmente, não consigo. Estranho, né? - que conversinha besta essa minha, pensou ele.

- Arrã.

Silêncio constrangedor.

- Já te vi lá na faculdade, sabia? - disse a moça.

Nossa, ela já me viu lá. Como eu nunca vi essa loira é que eu não entendo.

- É mesmo? Mas que mal-educada, hein? Nem deu oi - falou, rindo. - E o que você faz?

- Enfermagem. Você?

Enfermeira? Mas é bom demais pra ser verdade.

- Economia. Ah, você conhece a Andréa do 3º ano?

- Conheço sim. - falou a moça numa voz gélida.

Melhor mudar de assunto, parece que esse não agradou.

- Ah, Tiago. Prazer.

- Patrícia. Todos me chamam de Pati.

Segue-se a típica conversa. Quantos anos, de onde é, etc e tal. Uma mínima química se segue. Invariavelmente, o assunto vai esmorecendo e o momento do silêncio em que a melhor continuação seria um beijo... claro, sendo ele quem é, não acontece.

Pode-se dizer que houve uma 'ligeira' (sendo generoso) indecisão de ambas as partes e um belo momento ficou extremamente constrangedor.

- Ahn, então beleza, né. Acho que vou tentar dormir um pouco, tenho que ir pra aula logo pela manhã.

- Ok, vou dormir também.

Covarde. Arregão. Medroso. Isso que eu sou. A chance que eu espero há anos e não fiz nada, nunca mais reclamo que nunca senta ninguém bonito ao meu lado. O karma provavelmente será sentar do lado de gordos velhos que puxam conversa ininterruptamente e reclamam se você acende a luzinha para ler. Maravilha.

Quer saber? Dane-se. Vou dormir que ganho mais.

Frustrado, encosta na janela imaginando o que poderia ter sido...

****

Desce do ônibus, entra na fila para pegar a mala. Observa conformado Patricia pegar as suas e ir embora.

Me sinto o cachorro correndo atrás da lebre, destinado a nunca agarrá-la.

Assusta-se com um leve toque no ombro. Era ela... mas o que poderia querer...?!

Os outros passageiros vêem com curiosidade a garota beijando o surpreso (e extasiado rapaz).

- Mas... mas....

- Shhhh. Você falou de menos quando precisava falar, agora continua errando no timing. - Dá-lhe mais um beijo, agora mais ao estilo carinhoso. Escreve o telefone com batom no punho do rapaz.

Despede-se.

Isso aconteceu mesmo??? Belisca-se várias vezes, imaginando o que falar quando chegasse à faculdade.

A parte do batom era chave. A de quem tomou a iniciativa, nem tanto.

Pegou a bagagem, tomou um o rumo de casa. Com um sorriso irrepreensível no rosto.

****

Uma outra viagem de ônibus ou Uma Viagem de Ônibus, versão do diretor, em breve, neste bat-canal.

3 comentários:

Flávia Higashi disse...

E quem não quer né?!
Ai ai...

Lucas disse...

Queria saber o tanto de autobiografia que tem em suas crônicas... hehehe

Ruth Barros disse...

hahahaahaha
Adoreiiii! A vida é cheia de surpresas né?

;**