terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Chegadas e Partidas



Som de chave na fechadura.

Quem poderia ser a essa hora da manhã, pensa ele.

Ela.

- Não achei que estaria aqui. - Disse a atraente morena, lábios bem desenhados, com um certo quê de pesar pela presença do outro.

Continua linda, refletiu o rapaz, que já tinha visto melhores dias. Havia engordado um pouco, as maçãs do rosto além de salientes, rosadas. Seria hipocrisia, porém, chamá-lo de outra coisa que não um belo espécime.

- Pois é, não fui trabalhar hoje... nem nenhum dia essa semana. - Asseverou com um olhar vazio.

- Você não deveria estar assim ainda. Já se passou um tempo, não gosto de ver você desta maneira.

- Quem disse que é por sua causa ainda? Tá se dando valor hein! - mentiu o jovem.

- Ok, não falo mais nisso. Vim pegar o resto das minhas coisas.

- Olha, meio que deixei separado. Tem algumas caixas ali na salinha, se quiser dar uma olhada... tem café aí, tem suco também.

- Não, grata. Vou dar uma olhada então.

Uma salinha de tevê, um tanto apertada. Um sofá de couro, dois lugares, dois pufes, uma tevê com anteninha plasmatic acima e muuitos dvds espalhados pelo cômodo inteiro.

Passa-se algum tempo, ela mexendo nas caixas, ele observando, disfarçando o olhar decepcionado.

- Parece que tá tudo aqui mesmo. - Espera aí! Aquele Closer ali é meu, o Alta Fidelidade também. Aquele Saramago e os dois do Verissimo ali debaixo, se bem me lembro você que deu. Tá malandro hein?!

Ela lembrou! - pensou ele em triunfo. Talvez ele não seja tão esquecível, after all.

- É verdade mesmo, tu tens razã. Pode colocar na caixa, desculpas.

- Dánadanão - falou ela, de um fôlego só.

- E essas fotos aqui, que eu faço com elas? - inquiriu a garota.

Putz, pensei que ela ia querer as fotos. Eu já tinha até tirado cópia, just in case. Merda, o que falar?

- Você não quer? Pode levar, façoquestãonão. - Mentira, deslavada.

- Ah, vamos jogar fora se é assim. - Mal sabia ele, que a bela já havia colocado disfarçadamente no bolso as fotos que mais gostava.

E o jogo de empurra continuava.

- Porra, isso é história né! Vai jogar fora? Puta sacanagem tua. Mas se quiser assim, por mim tudo bem.

Meio nervoso meio fingindo, pegou o bolo de fotos e foi seco para a lata do lixo.
Constrangida e com consciência pesada de fingir que não se importava, foi até ele, com a chave nas mãos.

- Acho que não vou precisar mais disso.

- Provavelmente não, por sua própria escolha. - falou, amargo. - Aposto que a vida tá mais divertida, assistir filmes velhos e beber vinho barato não é mais teu perfil, é? - Indagou, com sarcasmo escorrendo pelo canto da boca. - E o tal do cruzeiro?

- Aposto que você não quer falar disso.

- Querer eu até quero. Entretanto, imagino que você não.

- Pronto, então. Já vou indo, tá? Qualquer dia a gente se encontra... se cuida, não fica assim não.

- Hrmm - grunhiu, meio a contragosto.

A isso segue um abraço. Constrangido. Ele não querendo largar, ela incerta de estar gostando ou não, se desvencilha com o maior tato possível.

- Tchau.

- Tchau.

Ele tranca a porta, senta em frente, olhar perdido.

Pelo menos ela lembrou.

Elevador, a garota observa uma chave reluzente na palma das mãos.

- Nunca se sabe.

Um comentário:

Flávia Higashi disse...

Conheço essa história de algum lugar.... é memu?